quinta-feira, 13 de maio de 2010

De como a Hebe Camargo começou a matar o Jamelão

Por Sandro Moser
O leitor que bebe chope no balcão do Seu Garçom sabe quem foi Madame Satã. Mesmo assim, cabe um paragrafo biográfico. Satã era cozinheiro, capoeirista, malandro, travesti. Habilidade invulgar no manejo da navalha. Personagem lendário do tempo da Lapa dos cabarés. O mais assiduo inquilino do presidio da Ilha Grande. Entre idas e vindas puxou lá mais de 37 anos.
Entrou pra história da música brasileira por conta de um triste episódio. Consta que numa tarde, em meados dos anos 50, adentra à copa do bar Capela o grande sambista mangueirense Geraldo Pereira. Motorista de caminhão com fama de valente e gênio do samba sincopado. Há quem diga que o autor de falsa baiana inventou a bossa nova. Pois bem. Pereira já chegou triscadou e avistou Satã no balcão. Passou a provocá-lo, a chama-lo de viado e a coisa foi ficando mal parada. Os dois valentes saíram na mão. Satã era imbativel naquela época e o Geraldo mamado acabou levando uma surra. Bateu cabeça e costelas no meio fio. Levado à assistencia, Geraldo Pereira morreu dias depois de infecção generalizada. Negligência médica a partir dos ferimentos. Satã ficou com a culpa eterna de sua morte.

Contei-vos esta passagem pois os senhores sabem que a história se repete como farsa. 50 anos depois, outro extraordinário sambista mangueirense começou a sucumbir em um episódio fatalmente semelhante. José Bispo dos Santos, o Jamelão, o crooner eterno da Orquestra Tabajabara. O maior cantor do Brasil. Se fossemos um país sério Jamelão teria vivido bilionário com um cassino só pra ele no bairro da Glória. Infelizmente meu idolo, já no inverno de seu tempo, precisou enfrentar madame tão satanica quanto a que golpeou o seu confrade Geraldo. Vejam o video.

http://www.youtube.com/watch?v=5roQFEHkvY8

As imagens, às vezes, falam mais que as palavras. Dois dias depois do show em que ele relembrou o episódio a manchetes da folha trazia seu santo nome.

Jamelão é internado em São Paulo após sofrer derrame
Folha Online
O cantor e compositor Jamelão, 93, famoso intérprete da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, foi internado na última quarta-feira, em uma clínica médica de São Paulo, após sofrer uma isquemia, popular derrame.

A partir deste acidente, sua saude só fez piorar até o grande adeus. Da mesma maneira que há uma imprecisão histórica em dizer Madame Satã matou Geraldo Pereira, não dá pra levar a dona do sofá a juri popular pela morte da nossa voz mais alta. Mas, também não se pode negar que a centelha diabólica da morte foi lançada por duas sacerdotisas do mal sobre os geniais crioulos. Sim. Hebe Camargo foi a Madame Satã no caminho do Jamelão.

terça-feira, 4 de maio de 2010

O dia em que o Estado Novo vaiou Carmen Miranda


Por Sandro Moser
Uma multidão esperava a chegada do vapor Argentina nas docas da Praça Mauá, Rio de Janeiro em 10 de julho de 1940. Carmen Miranda voltava ao país, depois do retumbante sucesso da temporada do musical Streets of Paris, apresentado em várias cidades norte-americanas . Carmen, sempre ao lado do Bando da Lua, fazia o numero final. Consta (os dados são de Ruy Castro, biografo definitivo da cantora) que ela e o bando fizeram 412 apresentações no primeiro semestre daquele ano, numa média de 2,2 shows por dia.
A reentré de Carmem porém, se transformou num acontecimento oficial do Estado Novo, (a fase ditatorial e facistóide do governo Getulio Vargas )com cerimônia organizada pessoalmente por Lourival Fontes, há época coordenando o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda.
Para o extrovertido nacionalismo do regime tratava-se da volta de uma “patrícia” que tinha alcançado a glória em território estrangeiro, elevando o nome do país. O governo pegava carona no sucesso de Carmen, cobrando a conta pelo fato do Itamaraty ter providenciado as passagens da ida aos EUA para o Bando da Lua.
Se na triunfante temporada de estréia Carmen Miranda tinha recebido o epíteto de brazilian bombshell (algo como a “granada” brasileira), em 1940, na Europa, outras bombas e granadas explodiam. O exercito nazista que estava passando o rodo em meio continente. Em 14 de maio ,caiu Paris e logo começou o bombardeio a Londres.
No Catete, atrás de uma “neutralidade” oficial a face mais nacionalista do Estado Novo mostrava seu sorriso perverso. Num famoso discurso Getúlio celebrou o fim de uma era (a antiga Europa) saudando os novos tempos: “Passou a época dos liberalismos previdentes”.
Neste momento, a Alemanha já era o maior parceiro comercial do Brasil. A metalúrgica Krupp acabara de aceitar os termos para a construção da CSN. A elite brasileira (parte dela, ao menos) não escondia a sua simpatia ao Reich, virtual vencedor do conflito mundial.
Foi neste cenário que Carmen retornou. Seu objetivo - declarado a imprensa logo na escadaria do navio – era rever os amigos e descansar.
Ocorre que a primeira dama Alzira Vargas tinha outros planos. Dona Alzira era a coordenadora de um projeto filantrópico (a ser construído na Baixada Fluminense) chamado a Cidade das Meninas. Carmen foi gentilmente “intimada” a estrelar um jantar black-tie no cassino da Urca em beneficio do tal projeto. Mesmo a contragosto a “pequena notável” topou – o motivo era nobre e as adesões se dariam pelo extravagante preço de 100 mil réis.
Cassino da Urca lotado de fraques e decotes no dia tal 15 de julho de 1940. A famosa orquestra de Carlos Machado no acompanhamento. O speaker César Ladeira anunciava a épica trajetória de Carmen na América do Norte (que já deve ter ferido alguns ouvidos) e a apresentou. A partir daí a coisa não andou bem. Quem conta é Ruy Castro.
“... Carmen dirigiu-se a platéia em inglês:
Good Night ao invés de sua clássica saudação (e muito mais dela): _ “Oi, macacada”.
Não houve grande resposta.
Depois, Carmen e o Bando apresentam os números que tanto faziam sucesso nos EUA. Eram algumas canções satíricas, em inglês macarrônico, com um ritmo diferente dos nossos sambas e marchas (dos quais eles estavam afastados fazia mais de um ano) e que lembravam mais os ritmos caribenhos que compunham o estereótipo latino que consagrou Carmem.
Num primeiro momento houve silencio. Depois, um muxoxo irritado que se transformou numa pequena vaia.
Carmen saiu indignada. Viajar tanto para ser vaiada “em casa”. Na platéia uma única certeza – a cantora que se apresentou não era mais a mesma. Estava “americanizada”. Mas pra quê tanto veneno pra cima de Carmen?
Entre tantos motivos (Carmen estava gripada, não havia ensaiado. A escolha do repertório foi um tanto infeliz), o principal era que aquele não era o seu público. Na verdade, Carmen não sabia, mas estava cantando para o Estado-Maior da ditadura Vargas. Pessoas como o interventor do Estado do Rio, general Ernani Amaral Peixoto. Como o General Dutra, o ministro Gustavo Capanema, o famigerado Capitão Felinto Mueller e toda uma pequena multidão de áulicos e pelegos que os seguia e sustentava.
Todos vivendo o auge do flerte com o nazismo e torcendo o nariz para a ascensão americana no teatro da Segunda Guerra. Estas pessoas alugaram roupas e pagaram uma fortuna para assistir o show e colaborar com os propósitos da família do ditador. Acabaram vendo um espetáculo “inimigo”, com a Urca praticamente se transformando num palco do circuito off-Broadway. E, nesta noite, vaiaram a mais importante artista popular do país.
A questão é que Carmen voltou para a América e para o sucesso mundial, O 3º Reich acabou e logo depois a Ditadura Vargas. A CSN foi implantada com capital americano e o projeto da Cidade das Meninas não saiu do papel. Os EUA “ganharam” a guerra e o prédio do Cassino virou a sede da TV Tupi.
Deste estranho episódio ficou apenas o delicioso samba de Assis Valente que nos assegurava que Miss Miranda era brasileira na batata, sim senhor. E que na hora das comidas ela ainda era mais do camarão ensopadinho com chuchu.