terça-feira, 20 de abril de 2010

PIXINGUINHA E O CHORO

Por Sandro Moser

Grande a responsabilidade de escrever sobre Pixinguinha. Até por que, uma hora ou outra, faz-se necessário lembrar a insuperável constatação de Ary Vasconcellos, escrita nas primeiras linhas de seu Panorama. Então que vá de primeira aqui também: "Se você tem 15 volumes para falar de toda a música popular brasileira, fique certo de que é pouco. Mas se dispõe apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido; escreva depressa: Pixinguinha”. E mais não precisariamos, mas, vamos lá.
Saxofonista, flautista, compositor e arranjador, Pixinguinha criou e levou às ultimas consequencias o que são hoje as bases da música brasileira. O grande professor Nei Lopes compara o compositor de Ramos a Bach “na arte da polifonia e do contraponto”. Vinicius de Moraes (que fez uma letra meio gaiata para o grande choro “Lamentos) dizia que se pudesse escolher teria nascido Pixinguinha e Jobim o considerava santo.
Elegantissimo cavalheiro do Rio antigo, de um Brasil que não existe mais. Grande apreciador de aguardente, que bebia durante dias sem perder a classe. Foi o primeiro maestro contratado por uma gravadora – A Victor Talking Machina - no Brasil. Sem dúvida o mais inspirado arranjador do torrão.
Instrumentista completo, dominava com sensibilidade a música dos primeiros chorões e também os ritmos africanos, estilos europeus e música negra americana. Pixinguinha botou na pauta praticamente todos os principais sucessos da chamada época de ouro da MPB, orquestrando de marchas de carnaval a choros. Escreveu cerca de duas mil músicas, algumas das mais bonitas compostas por homens nesta terra de Deus.
Não ficou rico com sua música, ao contrario de alguns editores aqui no Brasil e no exterior. Das flores que recebeu em vida, o máximo foi ver o nome da rua onde morava no bairro de Ramos mudar para Rua Pixinguinha. Além do convite do presidente Juscelino para almoçar com Louis Armstrong, seu irmão musical de New Orleans. Satchmo aprendeu a beber cachaça e descobriu que era filho de Ogum.
Numa inesquecível tarde em 2007, participei da exposicão Pixinguinha no Instituto Moreira Salles, ali na Gávea perto do Jockey Club do Rio. Participei é modo de dizer. Na verdade eu tomei umas seis cervejas e uma pinguinha e fui ali, como quem não quer nada, conferir a mostra que conta com documentos raros sobre o artista como o contrato com a Victor , além de partituras, fotos e objetos pessoais como a caneta-tinteiro, a palheta e a flauta sagrada.
Vi pela primeira vez o filme "Pixinguinha e a velha guarda do samba", um registro de Thomas Farkas realizado em 1954, no qual o artista aparece tocando ao lado de Almirante, Donga, João da Bahiana e outros nos festejos da comemoração do quarto centenário da cidade de São Paulo. As imagens são as únicas em movimento conhecidas de alguns dos maiores musicos do Brasil. Dá pra ver aqui no tubo. Recomendo ao amigo, mantenha uma bebida por perto porque você pode estar certo que vai chorar.
http://www.youtube.com/watch?v=m1uU8I0g4oI
Pequena Biografia - Segundo depoimento dado pelo músico ao Museu da Imagem e do Som, e que se pode ouvir no site do Instituto Moreira Salles: "Meu nome completo é Alfredo da Rocha Vianna. Nasci em 23 de abril de 1898, no bairro da Piedade. A rua não posso precisar. Para o meu irmão Léo foi na Rua Alfredo Reis, mas para o João da Baiana e o Donga, foi na Rua Gomes Serpa. O número da casa ninguém sabe ao certo. Só vendo o registro de batismo feito na Igreja de Santana. Meu pai chamava-se Alfredo da Rocha Vianna e minha mãe Raimunda da Rocha Vianna. Meu irmão Léo acha que o nome era Raimunda Maria Vianna".
Nem o irmão, e também nenhum biografo ou pesquisador consigou resolver a controvérsia do ano de nascimento de Pixinguina. O que importa pouco, pois o bonito é que o dia de seu nascimento – dia 23, sexta que vem - é lembrado como o Dia Nacional do Choro. Sabemos é que foi musico prodigio. Com 11 anos se apresentava nos cinemas, com as orquestras que tocavam durante a projeção dos filmes mudos, e em peças do teatro. Suas primeiras gravações foram feitas entre 1914 e 1918.
Em 1919, o gerente do Cinema Palais, na Cinelândia contratou Pixinguinha e seu grupo "Os Oito Batutas" para tocar na sala de espera do cinema. A banda caiu no gosto do público, apesar de alguma restrição da imprensa que fazia críticas de caráter racista. O repertório era composto de modinhas, choros, canções regionais, desafios sertanejos, maxixes, lundus, corta-jacas, batuques e cateretês.
Com o sucesso, o grupo viajou o Brasil até que de volta ao Rio, em 1921, foram tocar no Cabaré Assírio, no subsolo do Teatro Municipal. Lá, conheceram o milionário Arnaldo Guinle, que patrocinou a turnê européia dos Oito Batutas. A temporada, que deveria ser de um mês, acabou durando seis e e a partir daí o Brasil e a musica nunca mais foram os mesmos.
Pixiguinha foi funcionário da prefeitura do Rio desde 1930. Em 1951 passou a ser professor de música e canto orfeônico, nomeado pelo então prefeito João Carlos Vital. Até se aposentar, foi professor em várias escolas, além de maestro da Companhia Negra de Revista, onde conheceu aquela que seria sua companheira, Dona Béti, por toda a vida.
Em 17 de fevereiro de 1973, Pixinguinha teve seu segundo enfarte, enquanto batizava seu afilhado. Apesar de ter sido socorrido às pressas, faleceu aos 74 anos.
O “menino bom não faz chorinho” - Dia desses a Folha de São Paulo lançou, depois das coleções sobre o jazz e a bossa-nova, um dos volumes da coleção de livros-CDs “Raízes da Música Popular Brasileira” cujoo tema era Pixinguinha. Excelente iniciativa, apesar de alguns pesares que ficam para uma próxima ocasião.
O que chamou a atenção, pelo menos a minha e a de alguns amigos e em especial do onipresente Nei Lopes ( este homem fatal) foi a repetição de alguns chavões equivocados nas matérias de divulgação dos discos.
Coisas que os jornalistas sempre fazem e que cansam um pouco quem gosta e principalmente que faz e vive da musica. O clássico é dizer que Pixinguinha foi “um dos maiores nomes do chorinho (sic) brasileiro”, e que seu apelido significava “menino bom”, no “dialeto” natal de sua avó africana.
Bom, vamos por partes. Don Alfredo Viana Filho, fundador da moderna linguagem musical brasileira, um dos maiores musicos populares do mundo, dedicou-se a vários generos e não apenas ao estilo de interpretação conhecido como “choro”. Algumas variantes do choro em andamento acelerado, na verdade sambas, é que ganharam o apelido hipocoristico, meio mandrake de “chorinho”. Uma forma de paternalizar e diminuir o nosso grande genero.
O choro é aquela musica celestial formada musicalmente em ambientes como esquinas enluaradas ou quintais, onde as pessoas se reunem para tocar juntas. Pixinguinha desenvolveu “rara inventiva melódica no choro e utilizou processos técnicos de sua formação erudita como progressões, polifonias e contrapontos”, tão bem elaborados que até hoje confundem aqueles que gostam de olhar de cima a música popular. Não me venham com esta de “rei do chorinho.
Quanto a origem do apelido me socorram, pela ultima vez, do Nei Lopes que nos conta que: “ na biografia desse mestre, consta um episódio de infância em que ele, por sua exacerbada gulodice, diante da apetitosíssima cozinha familiar, ganhou o apelido de “carne assada”, por ter surrupiado, da mesa, um pedação e ido comer escondido no quintal.
Vem daí, certamente o nome artístico com que passou à História. A língua (e não “dialeto”) do povo Ronga, de Moçambique, registra o vocábulo psi-di, exatamente com o sentido de “comilão” (cf. R.Sá Nogueira, Dicionário Ronga-Português, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1960, pág.419). E foi com ele que a avó africana rebatizou o netinho, nascido apenas 10 anos após a abolição da escravatura no Brasil.
Que Pixinguinha foi um homem bom, todos nós sabemos. Porém, com aquela carinha de santo, mas cheio de apetite, deve ter sido um moleque “do cu riscado e da beirada carijó”, como diziam os pretos velhos do Irajá, naquele tempo carinhoso, divino e majestoso, em que o choro rolava debaixo da mangueira.

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